segunda-feira, agosto 14, 2006

Portugal centrou demasiado esforço nos PALOP

Primeira entrevista do novo ministro dos negócios estrangeiros
Luís Amado reconhece que tem de fazer uma reavaliação do dispositivo diplomático, já que o país não deve ter a atenção tão concentrada nos PALOP.

O novo ministro dos Negócios Estrangeiros defende que tem uma visão mais abrangente da política externa portuguesa, sobreturo, no que se refere ao Continente Africano. Por isso, frisou a necessidade de "alargar as relações bilaterais" de Portugal, já que a política externa nacional se tem "concentrado excessivamente nas relações com os países africanos de língua portuguesa". "Temos de dar atenção a outros países", frisou.
Qual a sua posição em relação aos problemas africanos?
Sou MNE de um país que tem uma grande identidade e que faz da política africana uma vector importante da sua política externa. Fui secretário de estado do MNE e da Cooperação, tenho acompanhado a Unidade Africana desde então, estou muito ligado às questões africanas e tenho de as enquadrar agora no quadro das minhas novas responsabilidade.
Para mim o programa africano é mais do que um problema económico, mas um problema político. Temos um problema grave de subdesenvolvimento de baixos índices de crescimento de regiões muito marcadas pela pobreza mas do meu ponto de vista o problema africano não pode ser reduzido a uma visão economicista e existencialista que tem marcado um ciclo de políticas ao longo de duas ou três décadas, mas é um problema político centrado nas questões do Estado, da nação e mais recentemente da democracia e do seu desenvolvimento nos sistemas políticos do continente.
Assim, uma das principais preocupações durante a presidência da União Europeia será promover a cimeira UE/África que poderá ser um fórum privilegiado para resolver este problema do ponto de vista político?
Justamente, o objectivo da cimeira, que foi lançada na sua primeira realização pela presidência portuguesa em 2000, é abordar os problamas do relacionamento da UE e África numa perspectiva que ultrapasse a dimensão assistêncialista que marcou as relações durante árias décadas de consolidação do processo de integração europeu. É um ciclo pós colonial da política africana com o fim da Guerra fria e com a emergência de uma nova tipologia de conflitos e com os acontecimentos pós 11 de Setembro que tiveram um grande impacto também no enquadramento dos problemas do continente africano no sistema global. Um país como Portugal que tem em consideração na sua política os problemas do continente não pode deixar de considerar essa nova realidade, uma nova elite política que a própria emergência democrática em África produziu, uma nova liderança também a nível do continente com uma nova organização, a União Africana, novas organizações regionais e por isso esta nova realidade tem de estar no centro da nossa aproximação à problemática política deste continente, no quadro do que chamamos a política africana.
Mas numa análise do terreno mostra fraco retorno das nossas contribuições para o BAD, ou pouca relevância da lusofonia no continente. O que fazer?
Sem dúvida. Penso concentrar a nossa acção política com África no essencial nas nossas relações económicas precisamos investir mais, comprar mais e vender mais para África. Tem sido sublinhado como um dos problemas que temos sentido com a quebra da nossa capacidade de exportação decorre em boa parte da sua excessiva concentração no mercado europeu, devemos diversificar os destinos dos nossos produtos e temos de procurar novos mercados. No continente africano, havendo uma política mais activa nesse domínio, a par do investimento que tem sido significativo em alguns países de expressão portuguesa, como Angola, será possível também vender mais. Devemos ter em consideração na ajuda ao desenvolvimento uma grande importância a dar à língua portuguesa, enquanto língua falada pelos povos que habitam os países de expressam portuguesa, mas também língua oficial de todas as organizações do continente africano (na UA, na SADEC, na Organização da África Central e na Organização da África Ocidental) é um importante factor de projecção e universalização da língua portuguesa. Devemos investir mais nesse domínio e não necessariamente do ponto de vista financeiro, mas político. Dar muita atenção às questões institucionais o apoio à capacitação institucional, reconhecendo que a questão do Estado é uma questão crucial em África. A consolidação do Estado é determinante para qualquer política de desenvolvimento, com muita atenção ao papel nos sectores de segurança e defesa.
E no plano político temos de alargar as nossas relações bilaterias, temos concentrado excessivamente o nosso bilateralismo nas nossas relações com os países de língua portuguesa, devemos dar atenção a outros países que são também marcantes e importantes onde temos até alguma potencialidade estratégica como é o caso da África do Sul, onde temos uma comunidade importante e que é um país tão dinâmico na África austral em particular. E dar atenção no plano político a uma nova abordagem multilateral porque nestas décadas, centrámos muito as nossas relações na recuperação e no reforço das relações bilaterais com os PALOP e devemos dar muita atenção à nova abordagem multilateral que é hoje feita em relação aos problemas do continente africano, seja no âmbito da ONU, da UE e da NATO, onde a evolução para o processo de transformação de ambas as oprganziações para um maior atenção para os problemas do conflito, seja pela pressão migratória seja pela emergência de conflitos que podem levar a situações de Estados falhados que podem levar a condições de insegurança global. O que está a acontecer na Somália é um exemplo de como, mais uma vez a perda de controlo do sistema internacional de uma situação de conflito pode degenerar e tornar-se de muito difícil regulação e demos de dar atenção à própria dinâmica da CPLP que está muito centrada pela circunstância de haver vários Estados que a compõem que são Estados Africanos e que deve também uma abordagem particular da nossa parte. Toda esta visão multilateral tem pano de fundo a dinâmica política que o continente hoje conhece. A UA tem estado muito activa enquanto organização multilateral e tem-se tornado num catalizador político na transformação do continente, de afirmação de um nova liderança e de uma nova elite política, por isso temos de ter contacto com a UA, temos felizmente uma embaixada em Adis Abeba (Etiópia), mas temos de estimular mais as relações com essa organização e em particular coma s organizações onde temos historicamente relações mais fortes: África ocidental, central e austral, temos também de acompanhar a dinâmica de integração que aí se verifica e ajudar os países de expressão portuguesa onde temos uma presença significativa de quadros, ajudá-los a acompanhar melhor essa dinâmica de integração.
Na sua nova visão, que implicacção terá na rede de embaixadas, apesar dos constrangimentos orçamentais?
Toda a política pressupõe uma organização e um comando e a organização da nossa máquina diplomática no continente está eventualmente desproporcionada em relação à importância que lhe atribuímos a essa política no contexto da política externa. A situação está assim há bastante tempo, a situação não se corrigirá rapidamente, mas apesar de tudo temos um dispositivo diplomático relevante nos países de expressão portuguesa, temos de o aproveitar melhor. Temos algumas embaixadas que a prazo podem ser reforçadas, embora não imediatamente, pois as dificuldades, quer orçamentais quer financeiras, são conhecidas. Mas há de facto que criar novas condições que permitam sustentar uma visão política mais ambiciosa, relativamente ao que é hoje a dinâmica do continente, onde os países de língua portuguesa podem ser âncoras importantes para a defesa dos nossos interesses estratégicos.
Vamos ter de desviar recursos de outras áreas?
Tem que ser feita uma reavaliação. Não é uma prioridade, não é imediato. O que tem de ser feito não exige uma acção imediata. Temos um dispositivo significativo, muito mais relevante do que muitos outros países que começam a ter interesse com o que se passa no continente africano. Naturalmente, a prazo temos que fazer algumas alterações no nosso dispositivo diplomático. A seu tempo essas questões serão ponderadas.
Como é que isso se encaixa com a remodelação da rede de embaixadas e consulados que o ministro Freitas do Amaral estava a fazer?
Esse trabalho está em desenvolvimento e a seu tempo tomaremos decisões sobre essas questões.
Portugal não cumpre os objectivos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Há hipóteses de influenciar em termos de política externa se não cumprirmos objectivos?
Sem dúvidas que temos limitações grandes nesse domínio quando temos dificuldades em organizar a nossa resposta política nesse domínio em função do que são os objectivos internacionais. É um preço que pagamos e pagamos em termos de menor influência das decisões nomeadamente nas organizações que integramos. Mas o país vive a situação difícil que conhecemos, tem havido algumas dificuldades nos últimos anos neste sector veremos até que ponto é possível apreciar a situação e reorientar alguns recursos neste sector.
Quanto à cimeira UE África, os obstáculos que impediram a sua realização até aqui já foram ultrapassados?
É o nosso objectivo e é um objectivo assumido pela UE. O conselho europeu foi bem expressivo nesse domínio. Há uma orientação firma para tentar realizar a cimeira Europa África o mais rapidamente possível, se possível durante a presidência portuguesa. Mas como há problemas que têm de ser ultrapassados, teremos de trabalhar nesse sentido e veremos se é possível ou não realizar a cimeira.
Há formas da UE contribuir verdadeiramente para o crescimento em África, com acções concretas?
Tem havido novas abordagens relativamente à ajuda europeia, e não apenas a África, também em relação a outras regiões que são objecto da ajuda da UE. Relativamente À África sub-saariana o problema não é tanto de assistência mas um problema político, com raízes profundas na história do continente e das relações com a Europa que têm de ser enquadrado devidamente no plano político pela comunidade internacional (ONU). Mas sobretudo em relação à UE que tem uma responsabilidade histórica em relação ao continente. Toda a assistência que seja desenvolvida, segundo critérios que não tenham em consideração a realidade política de cada Estado e de cada região, naturalmente, essa assistência é limitada nos seus objectivos. Tenho consciência que a questão da segurança e da defesa e da capacitação institucional do ponto de vista do Estado é uma condição prévia para toda a assistência económica. Não adianta ajudar financeiramente, em termos económicos ou em termos de ajuda humanitária quando não há condições de segurança e aí há opções a fazer que do meu ponto de vista que nesta última década não foram devidamente assumidos pela comunidade internacional, em particular pela política da UE em, relação à África sub-saariana.
A cada vez maior intervenção da China, EUA e Japão, no continente e africano, assim como a UE sentir mais directamente os efeitos dos grandes fluxos migratórios estão a acrescentar um sentido de urgência nesta nova forma de actuação?
Todos esses factores influenciam a abordagem que se faz da problemática do desenvolvimento em África. Há novos actores que têm peso, há uma nova perspectiva da parte da UE porque o paradigma que a afectava as suas relações era muito tributário das relações coloniais. Esse paradigma ruiu porque a dimensão do problema ultrapassa a capacidade de cada Estado de os resolver. A abordagem tem de ser mais global e que pressupõe uma abordagem mais coordenada e por isso há necessidade da UE fazer face aos problemas do continente com uma outra matriz

Sem comentários: